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segunda-feira, 15 de março de 2010

Presente sem igual


Ele era um foragido. Um judeu em meio ao tormento da Segunda Guerra
Mundial.

Todos os dias sua consciência o acusava de covardia. Covardia moral
por ter abandonado sua mãe, seus primos, quando lhe foi acenada a
possibilidade de sobreviver, ocultando-se.

Por que somente ele? – Perguntava-se diariamente.

E todos os dias se desculpava com o casal que o mantinha escondido no
porão frio naquele inverno interminável.

Desculpava-se por ter pensado mais na própria vida do que no risco a
que expusera ambos, ao pedir asilo.

E havia a criança. Uma adorável menina que acabara de completar 12
anos.

Naqueles dias de tanta carestia, ela ganhara do pai um livro usado.
Que tesouro!

Ele, o sobrevivente, se desculpara por não lhe dar nada. Afinal,
nada tinha de seu.

Liesel, a garota encantadora, se aproximara e enrodilhara os braços
em torno do pescoço dele:

Obrigada, Max.

Ela era a aniversariante e ele ganhava o presente.

Ao contato daquele abraço, ele levantou as próprias mãos e as
encostou nos ombros de Liesel.

Aquele abraço lhe falava de afeto, família, carinho. Tudo tão
distante, perdido na névoa dos meses, do medo e das incertezas
diárias.

Nos dias que se seguiram, ele decidiu que lhe daria um presente.

Por isso, tomou do livro escrito por Hitler, que recebera para se
instruir e destacou 40 páginas.

Imaginou que precisaria de 13, mas como deveria cometer alguns erros,
resolveu se prevenir com maior número.

Da pilha de latas de tinta que o ocultava, destacou uma, abriu-a e
pintou cada uma das páginas, deixando-as a secar em um varal
improvisado.

Na sequência da semana, ele desenhou e escreveu a história de um
fugitivo. A sua história.

E de seu encontro com uma menina que lhe ofereceu afeição. A ele,
um judeu em terreno alemão.

As páginas receberam dois furos na margem, feitos à faca e depois
foram unidas com barbante.

Então, numa madrugada silente, ele deixou seu esconderijo, subiu os
degraus, foi ao quarto da menina e depositou a preciosidade ao lado
da cama.

Ao despertar, vencendo o medo e o frio, ela desceu os degraus da
escada. Embora não passasse de alguns metros, a distância pareceu
de quilômetros.

O coração lhe batia descompassado no peito. Ela colocou sua mão no
ombro dele, que dormia.

Não o despertou. Sentou-se, reclinou a cabeça, dobrando-se sobre si
mesma e continuando com a mão no ombro dele, deixou-se ali ficar como
quem vela o sono de alguém precioso e inestimável.

Nascia naquele momento uma verdadeira e profunda amizade.

* * *

A afeição surge de formas inusitadas, em estranhas situações.

Percebê-la, manifestar gratidão e alimentá-la é decisão pessoal.

Por vezes, gestos pequenos expressam sentimentos profundos.

Pensemos nisso e prestemos maior atenção a detalhes que somente
parecem ser insignificantes.

Sobretudo, que haja sempre flores de gratidão no jardim das nossas
palavras, no sol do sorriso e nos gestos em retorno ao doador que nos
agracia com sua oferta.

Pensemos nisso...

Redação do Momento Espírita, com base na pt. IV do

livro A menina que roubava livros, de 

Markus Zusak, ed. Intrínseca.

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